Sermão sobre Pentecostes, de São Leão Magno (séc. V)


Todos os corações católicos sabem, caríssimos, que a solenidade de hoje deve ser celebrada como uma das festas mais importantes. Ninguém ignora ou contesta a reverência com que se deve festejar este dia, consagrado pelo Espírito Santo com o milagre excelente de seu dom. Sendo, na verdade, o décimo dia depois daquele em que o Senhor subiu ao céu, para se assentar à direita de Deus, refulge como o dia qüinquagésimo após a sua Ressurreição, e traz em si grandes mistérios, referentes a antigos e novos sacramentos, na mais clara manifestação de que a Graça foi prenunciada pela Lei e a Lei cumprida pela Graça. Sim, do mesmo modo como outrora, no monte Sinai, a Lei fora dada ao povo hebreu, libertado dos egípcios, no dia qüinquagésimo após a imolação do cordeiro, assim também, após a Paixão de Cristo, imolação do verdadeiro Cordeiro de Deus, é no qüinquagésimo dia desde sua Ressurreição que se infunde o Espírito Santo nos apóstolos e na multidão dos fiéis. O cristão diligente facilmente vê como os inícios do Antigo Testamento serviram aos primórdios do Evangelho, e como a segunda Aliança foi criada pelo mesmo Espírito que instituiu a primeira.
Com efeito, diz a narrativa dos apóstolos: 

"Como se completassem os dias de Pentecostes e estivessem todos os discípulos juntos no mesmo lugar, repentinamente se fez ouvir do céu um ruído como o de vento que soprava impetuosamente, e encheu toda a casa onde estavam. Apareceram-lhes então como línguas de fogo, que se puseram sobre cada um deles; e todos ficaram cheios do Espírito Santo, começando a falar em outras línguas, conforme o Espírito Santo lhes concedia falarem" [1].

É veloz a palavra da Sabedoria, e onde Deus é o Mestre quão rapidamente se aprende a doutrina! Não houve necessidade de interpretação para o entendimento, não houve aprendizado, não houve prazo para estudo, mas, assim que o Espírito da verdade soprou como quis, as línguas particulares dos diversos povos se tornaram comuns na boca da Igreja.

A partir desse dia ressoou a trombeta da pregação evangélica. A partir desse dia as chuvas de graças, os rios das bênçãos irrigaram todos os desertos e a terra inteira, pois a fim de renovar sua face "o Espírito de Deus pairava sobre as águas" [2]. E, para a expulsão das trevas de antes, coruscavam os relâmpagos da nova Luz no esplendor das línguas flamejantes. Assim se manifestava a luminosa e ígnea palavra do Senhor, dotada da eficácia de iluminar e da força de abrasar, necessárias ao entendimento e à destruição do pecado.

Porém, caríssimos, embora tenha sido admirável a própria aparência desses acontecimentos e não haja dúvida de que a majestade do Espírito Santo tenha estado presente à harmonia exultante das vozes humanas, não se pense que apareceu a sua divina essência naquilo que se mostrou aos olhes corporais. A natureza invisível e comum ao Pai e ao Filho manifestou a qualidade de seu dom e de sua obra por meio do sinal de santificação que bem lhe aprouve, mas conteve em sua divindade a propriedade de sua essência.

Assim como a visão humana não pode perceber o Pai e o Filho também não percebe o Espírito Santo. Na Trindade, com efeito, nada é dissemelhante, nada é desigual, e todas as coisas que se possam pensar a respeito dessa substância não se distinguem pela excelência, pela glória ou pela eternidade. É verdade que, conforme as propriedades das Pessoas, um é o Pai, outro o Filho, outro o Espírito Santo, mas não há divindade diferente, natureza distinta. Assim como o Filho precede do Pai, igualmente o Espírito Santo é Espírito do Pai e do Filho. Não como as criaturas, que são também do Pai e do Filho, mas como alguém que, como ambos, vive, é poderoso e existe eternamente, desde que existem o Pai e o Filho. Por essa razão o Senhor, quando prometeu a vinda do Espírito Santo aos discípulos, antes do dia da Paixão, disse: 

"Ainda muitas coisas vos tenho a dizer: quando, porém, vier o Espírito da verdade, ele vos conduzirá para toda a verdade. Pois não falará de si mesmo, mas falará o que tiver ouvido e vos anunciará as coisas que deverão suceder. Tudo o que o Pai tem é meu; per isto disse que receberá do que é meu e vos anunciará" [3].

O Pai, portanto não tem algo que não o tenham o Filho ou o Espírito Santo. Tudo o que tem o Pai, tem o Filho e tem o Espírito Santo. Nunca faltou na Trindade essa perfeita comunhão; nela são uma mesma coisa "tudo possuir" e "sempre existir". Não imaginemos sucessão de tempo na Trindade, não imaginemos gradações ou diferenças. Se, de um lado não se pode explicar o que Deus é, de outro não se ouse afirmar o que Deus não é. Seria melhor deixar de discorrer sobre as propriedades da natureza inefável de Deus, do que afirmar o que não lhe convém. O que concebem, pois, os corações piedosos a respeito da glória eterna e imutável do Pai, entendam-no ao mesmo tempo do Filho e do Espírito Santo, de um modo inseparável e sem diferença. Nossa confissão é ser a Trindade um só Deus, já que nas três Pessoas não existe diversidade de substancia, poder, vontade ou operação.

Assim, se reprovamos os arianos, que pretendem existir diferença entre o Pai e o Filho, reprovamos igualmente os macedonianos, os quais, embora atribuindo igualdade entre o Pai e o Filho, pensam que o Espírito Santo seja de natureza inferior. Eles não vêem estarem incidindo naquela blasfêmia indigna de ser perdoada tanto no século presente como no futuro, consoante a palavra do Senhor: 

"A todo o que disser uma palavra contra o Filho do homem será perdoado, mas ao que disser contra o Espírito Santo não será perdoado nem neste século nem no vindouro" [4].

Quem permanece, portanto, nessa impiedade fica sem perdão, pois expulsou de si aquele por meio do qual seria capaz de confessar a verdadeira fé. Jamais se beneficiará do perdão quem não tiver advogado para protegê-lo.

Ora, é do Espírito Santo que procede em nós a invocação do Pai, dele são as lágrimas dos penitentes, dele os gemidos dos que suplicam, "... e ninguém pode dizer Senhor Jesus senão no Espírito Santo" [5].

O Apóstolo prega de maneira evidente a onipotência do Espírito, igual à do Pai e do Filho, bem como sua divindade, ao dizer:

"há diversidade de graças, mas um mesmo é o Espírito; e há diversidade de ministérios, mas um mesmo é o Senhor; e há diversidade de operações, mas um mesmo é o Deus que opera tudo em todos" [6].

Por estes e outros documentos, através dos quais, de inumeráveis modos brilha a autoridade das palavras divinas, sejamos incitados, caríssimos, unanimemente, à veneração de Pentecostes, exultando em honra do Santo Espírito, por quem toda a Igreja é santificada e toda alma racional é penetrada. Ele é o inspirador da fé, o Mestre da ciência, a fonte do amor, o selo da castidade, o artífice de toda virtude.

Regozijem-se as mentes dos fiéis com o fato de, em todo o mundo, ser louvado pelas diferentes línguas o Deus uno, Pai, e Filho e Espírito Santo; com o fato de prosseguir em seu trabalho e dom aquela santificação que apareceu na chama do fogo. O mesmo Espírito da verdade faz refulgir com sua luz a morada de sua glória, nada querendo de tenebroso ou morno em seu templo.

Foi também por auxílio e instrução desse Espírito que recebemos a purificação do jejum e da esmola. Com efeito, segue-se ao venerável dia de hoje um costume de salutar observância, que os santos julgam de grande utilidade e nós vos exortamos, com pastoral solicitude, a que o celebreis com o maior zelo possível. Assim, se a negligência vos fez contrair em dias passados algo de pecaminoso, seja isto penitenciado pela censura do jejum e pelo devotamento da misericórdia. Jejuemos na quarta e na sexta-feira, para sábado celebrarmos juntos as vigílias, com a habitual devoção. Por Cristo, Nosso Senhor que vive e reina com o Pai e o Espírito santo, pelos séculos dos séculos. Amém.


[1] At 2,1-4.
[2] Gn 1,2.
[3] Jo 16,12-13.15.
[4] Mt 12,32.
[5] lCor 12,3.
[6] lCor 12,4-6.

Fonte: Mercaba

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