Semana Santa na Jerusalém do séc. IV - Sexta-feira Santa

Pax et bonum!

Neste dia, abstenho-me de muitos comentários e deixo a palavra à peregrina Etéria, em seu itinerário pela Cidade Santa:

Basílica da Agonia, diante do altar a rocha em que o Senhor orou no Getsêmani
O altar grego do Calvário.
Protegida, a rocha do próprio Calvário, onde o Senhor crucificado foi levantado para atrair tudo para si.
4. Ora, quando se chega ao ante Crucem (o altar que fica no Gólgota, onde o Senhor foi crucificado), o dia está se tornando já quase claro. Aí, novamente, se lê o passo do evangelho no qual o Senhor é trazido a Pilatos [Mt 27,2]; e tudo quanto consta ter dito Pilatos ao Senhor e aos judeus, tudo se lê [Mt 27,11ss; Mc 15,1-5; Lc 23,1-5; Jo 18,28-38].
5. A seguir, confortando-o, dirige-se o bispo ao povo que por toda a noite sofreu e há de ainda sofrer nesse dia: que se não deixe abater, mas tenha esperança em Deus, que lhe há de conceder recompensa maior pela sua fadiga. E assim a todos anima, como pode, e diz-lhes: "Entrementes, ide todos, agora, a vossas casas; descansai um pouco e, aproximadamente à segunda hora do dia (=8h), estai todos aqui presentes para que, desse momento até à sexta hora (=12h), possais ver o santo lenho da cruz, confiando todos nós em que ele há de ser útil à nossa salvação; porquanto, a partir da hora sexta (=meio-dia), novamente é necessário que aqui nos reunamos todos neste lugar, isto é no ante Crucem, para que, até à noite, nos dediquemos às leituras e às orações".

XXXVII
1. Após o que, portanto, afasta-se o povo da Crux, ainda antes do nascer do sol, e todos, imediatamente, cheios de ânimo, vão a Sion rezar diante da coluna contra a qual foi flagelado o Senhor. Ao voltar, descansam um pouco em casa e logo estão todos prontos. E então, coloca-se a cátedra episcopal no Gólgota, atrás da Cruz que agora lá se ergue; sentando-se o bispo, coloca-se diante dele uma mesa coberta de linho; de pé, em torno da mesa, permanecem os diáconos; um estojo de prata dourada no qual se encontra o lenho santo da Cruz é trazido, aberto e exposto, colocando-se sobre a mesa tanto o lenho da Cruz quanto o seu título.
2. E, uma vez colocados sobre a mesa, o bispo, sentado, aperta com as suas mãos as extremidades do santo lenho e os diáconos, que se mantêm de pé, ao redor, observam. O lenho é assim guardado porque é costume que todo o povo se aproxime, tanto os fiéis quanto os catecúmenos, um a um, e, inclinando-se para a mesa, beijem o santo lenho e passem. E porque dizem ter alguém, não sei quando, cravado os dentes no santo lenho, roubando-lhe um pedaço, por isso é assim guardado agora pelos diáconos que se postam em volta, para que ninguém, chegando, ouse fazê-lo de novo.
3. Assim, pois, todo o povo passa; inclinando-se todos, um de cada vez, tocando primeiro com a testa e depois com os olhos a Cruz e o título, e beijando a Cruz, afastam-se; ninguém, porém, estende a mão para tocá-la. Ora, depois que todos beijam a Cruz e passam, um diácono, de pé, segura o anel de Salomão e a ânfora da qual se ungiam os reis. Beija-se a ânfora e contempla-se o anel. Até a sexta hora passa todo o povo, entrando por uma porta, saindo por outra, visto que isto se dá no lugar onde, na véspera, isto é, na quinta-feira, se fez a Oblação.
4. E, aproximando-se a sexta hora, caminham em direção à Cruz, quer chova, quer faça calor, porque o lugar fica ao ar livre; é como que um pátio bem grande e extraordinariamente belo, situado entre a Crux e a Anástasis. Aí, pois, é que se reúne o povo todo, de tal forma que nem se pode abrir caminho.
5. Coloca-se a cátedra episcopal diante da Cruz e, da sexta até a nona hora (=15h), nada se faz senão leituras, da seguinte maneira: lê-se, primeiro, tudo quanto, nos Salmos, diz respeito à Paixão; lêem-se, a seguir, nos Apóstolos - nas Epístolas ou nos Atos dos Apóstolos - todos os passos em que se referiram à Paixão do Senhor; e também nos Evangelhos se lêem os trechos da Paixão. Lêem-se, em seguida, nos Profetas, os passos onde predisseram que o Senhor haveria de sofrer, e novamente os Evangelhos, nos trechos referentes à Paixão.
6. Assim, desde a hora sexta até a hora nona, fazem-se continuamente leituras ou se recitam hinos para mostrar a todo povo que tudo quanto os profetas predisseram da Paixão do Senhor realmente aconteceu, como se vê mui claramente tanto pelos Evangelhos quanto, ainda, pelos escritos dos Apóstolos. E assim, durante as três horas, ensina-se ao povo que nada se fez que não tenha sido primeiro anunciado e nada se anunciou que se não tenha completamente realizado. E sempre se intercalam preces, e essas preces são próprias para o dia.
7. A cada uma das leituras e preces, tal é o sofrimento e tais são os lamentos de todo o povo, que chegam a causar espanto; não há ninguém, nem grande nem pequeno que, nesse dia, durante essas três horas, não se aflija enormemente; e é impossível calcular tamanha aflição, pelo muito que o Senhor padeceu por nós. Aproximando-se a nona hora, lê-se então o passo do evangelho de São João onde o Senhor expirou [Jo 19,28-30]; após a leitura, reza-se uma oração e termina o ofício.
8. Ora, logo que termina a cerimônia no ante Crucem, dirigem-se todos, imediatamente, à igreja maior, ao Martyrium e fazem o que, durante toda essa semana, a partir da hora nona, se habituraram a fazer, até a noite. Terminando aí o ofício, dirigem-se todos à Anástasis e, aí chegando, lêem o passo do Evangelho no qual José [de Arimatéia] pede a Pilatos o corpo do Senhor e o coloca em um sepulcro novo [Jo 19,38]. Após a leitura desse texto, fazem uma prece; abençoam-se os catecúmenos e dispensa-se o povo.
9. E nesse dia não se convoca o povo para a vigília na Anástasis, visto que se sabe o quanto está fatigado; mas, na verdade, é costume continuar aí a vigília. Assim, aqueles dentre o povo que o desejam, ou melhor, aqueles que o podem, velam e aqueles que não o podem, não o fazem. Por outro lado, os clérigos permanecem de vigília, isto é, pelo menos os mais fortes ou mais jovens. E, durante toda a noite, recitam-se hinos e antífonas, até de manhã. Além disso, a maior parte da multidão permanece de vigília, uns desde o cair da noite; outros, desde a meia-noite, segundo podem.

Por Luís Augusto - membro da ARS

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